Operação Carne Fraca: Uma operação policial desastrosa, recheada de policiais mais preocupados com os holofotes do que com o cuidado na disseminação de informações, tem como combustível as disputas internas na PF e o loteamento de cargos do Ministério da Agricultura nos estados, entregues aos partidos políticos
LINHA DE PRODUÇÃO DA JBS EM SANTA CATARINA - Sem nenhum dirigente ou executivo citado na operação, a empresa acabou
assim mesmo sendo uma das mais afetadas em sua imagem
Germano Oliveira / Isto É
O conceito de sociedade do espetáculo foi cunhado pelo pensador francês
Guy Debord para retratar um contexto em que tudo o que era vivido diretamente
tornou-se representação. Se a espetacularização, protagonizada em qualquer
área, já tem o condão de empanar a realidade, mais deletério ainda ao País
quando ela parte de entes públicos que deveriam sempre primar pelo cuidado com
a apuração e com a disseminação de informações sempre dentro de sua real
dimensão. Não foi o que ocorreu na última semana. A Operação “Carne Fraca”,
anunciada com estardalhaço pela Polícia Federal na sexta-feira 17 e vendida
como a “maior da história”, foi a mais estabanada ação policial já desenvolvida
nos últimos anos. Sem demonstrar conhecimento técnico sobre o setor
agropecuário, o delegado Maurício Moscardi Grillo, criticado até por delegados
e peritos da PF, trocou os pés pelas mãos. Lançando mão de arriscadas
generalizações, disse que os frigoríficos usavam papelão em embutidos e
salsichas, quando o material citado nos áudios das investigações se referiam ao
embrulho das carnes. Afirmou ainda que o setor usava substâncias cancerígenas
para maquiar carnes estragadas, quando os frigoríficos usam ácido ascórbico
(vitamina C) como conservantes. E, para espanto geral, sapecou que o setor
utilizava ilegalmente carne de cabeça de porco em linguiças, quando o uso é
perfeitamente legal. O resultado não poderia ser mais catastrófico para o País:
gerou uma crise internacional para a pecuária brasileira, que emprega 7 milhões
de pessoas e exporta anualmente US$ 12,3 bilhões (quase R$ 40 bilhões).
Dezenas de países importadores, como China, Japão, México e União
Europeia, suspenderam as compras do Brasil, o que poderá ter reflexos na
recuperação do PIB deste ano, que já contava com o bom desempenho da
agropecuária para sair do vermelho. Internamente, os brasileiros ficaram
apreensivos, ao presumirem que comiam carne podre, o que é um equívoco, porque
a nossa carne recebe o selo de uma das melhores do mundo. Ora, mesmo que não
houvesse o reconhecimento, é elementar deduzir: se comêssemos carne estragada,
o País estaria enfrentando uma epidemia gastrointestinal sem precedentes, o que
definitivamente não ocorre. Por que, então, tanta pantomima para tratar de tema
tão sério? O que a barbeiragem de setores da Polícia Federal esconde? Um
mergulho pelos meandros do setor pode até não ser capaz de produzir a resposta
definitiva, mas fornece pistas sobre o quê , quem e quais interesses
contribuíram para alimentar uma operação tão mal embalada.
APAGANDO
INCÊNDIOS O ministro BlairoMaggi tem visitado frigoríficos investigados para ver
in loco como funcionam
Há pelo menos uma década, uma briga de foice é travada por cargos e
postos estratégicos no bilionário setor agropecuário. O aparelhamento das
superintendências do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
nos Estados é cruel e acomoda conveniências das mais diversas. Para usar uma
famosa expressão cunhada por um cronista carioca: ali é “briga de cachorro
grande”. Das 27 superintendências estaduais, 21 estão nas mãos de políticos do
PMDB, PP, PSDB, PR e PTB. Em geral, esses políticos usam os cargos para
pressionar alguns frigoríficos e conseguir doações milionárias para campanhas.
Esses superintendentes são indicados pelas bancadas estaduais ou senadores dos
partidos. Sem qualquer cerimônia, a senadora e ex-ministra da Agricultura de
Dilma, Kátia Abreu (PMDB-TO), admitiu na semana passada as ações nada
republicanas promovidas no setor. “Quando fui ministra, pedi para que os
senadores indicassem políticos para os cargos nos estados”. Kátia foi além.
Afirmou que assegurou ao senador Roberto Requião (PMDB-PR) a primazia de
indicar o superintendente do Paraná, mas que o senador teria aberto mão. A
vaga, assim, passou a ser disputada por deputados federais do Paraná com nome e
sobrenome. Um deles com cargo de peso no governo Temer: o atual ministro da
Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR).
Serraglio uniu-se ao deputado Sérgio Souza (PMDB-PR) para indicar para a
vaga Daniel Gonçalves Filho, preso pela PF como um dos líderes da quadrilha que
cobrava propinas de frigoríficos no Paraná. Ele ficou no cargo de 2007 a 2016 e
atravessou incólume pelos governos Lula e Dilma.
Kátia: Serraglio indicou “bandido”
Segundo reconheceu Kátia Abreu, Daniel Gonçalves Filho era “bandido” e “marginal”, colecionador de processos no próprio Ministério da Agricultura. Ela sabia de tudo. Mas não fez nada. E ele permaneceu por nove anos no cargo. “Gonçalves era mantido no cargo por pressão de Serraglio”, tentou justificar. O fato de Kátia Abreu ser do PMDB, do mesmo partido de Serraglio, agora ministro da Justiça e chefe, portanto, da Polícia Federal, mostra que há algo de mais podre no ar. Nas gravações da PF, Serraglio referia-se a Daniel Gonçalves como “meu chefe”. Serraglio telefonava para Daniel para que ele, na condição de superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, não fechasse um frigorífico de Iporâ (PR).
Segundo reconheceu Kátia Abreu, Daniel Gonçalves Filho era “bandido” e “marginal”, colecionador de processos no próprio Ministério da Agricultura. Ela sabia de tudo. Mas não fez nada. E ele permaneceu por nove anos no cargo. “Gonçalves era mantido no cargo por pressão de Serraglio”, tentou justificar. O fato de Kátia Abreu ser do PMDB, do mesmo partido de Serraglio, agora ministro da Justiça e chefe, portanto, da Polícia Federal, mostra que há algo de mais podre no ar. Nas gravações da PF, Serraglio referia-se a Daniel Gonçalves como “meu chefe”. Serraglio telefonava para Daniel para que ele, na condição de superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, não fechasse um frigorífico de Iporâ (PR).
Em abril de 2016, apagar das luzes do governo Dilma, Gonçalves foi
exonerado. Para o seu lugar, os deputados do PP ganharam a queda-de-braço com o
PMDB. Os deputados Nelson Meurer (PP-PR) e Dilceu Sperafico (PP-PR),
investigados na Lava Jato, e o então deputado Ricardo Barros (PP-PR), hoje
ministro da Saúde, conseguiram a indicação de Gil Bueno de Magalhães. Gil
também foi preso na Operação Carne Fraca e foi exonerado nesta segunda-feira 20
pelo ministro da Agricultura Blairo Maggi.
Em alguns estados as indicações políticas partiam de senadores, como no
Pará. Em Goiás, os padrinhos pertenciam às bancadas federais, como foi o caso
do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), responsável por indicar Julio Cesar
Carneiro para o cargo. Subornado para não fechar um frigorífico irregular no
seu estado, Carneiro acabou preso na Operação Carne Fraca. Para o lugar de
Carneiro, o PTB indicou Ricardo Augusto de Faria. “Passou da hora dos
superintendentes da Agricultura nos Estados serem técnicos e não políticos,
apadrinhados por deputados ou senadores”, alertou o presidente da Associação
Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, ex-ministro da
Agricultura.
Parece, também, haver uma briga velada de poder na PF. Afinal, o
ministro da Justiça não sabia que havia sido grampeado pelo delegado, um
subordinado seu, quanto mais que suas conversas seriam vazadas durante uma
coletiva da PF. Claro, tudo isso seria natural se os diálogos revelassem o
cometimento de um crime. Mas não foi esse o entendimento da Procuradoria-Geral da
República. Ou seja, o ministro não será sequer investigado. O mesmo não se pode
dizer de sua imagem, que saiu arranhada do episódio. Sem entrar no mérito do
comportamento do ministro, trata-se de um enredo sem pé nem cabeça, para dizer
o mínimo.
Delegados criticam operação
Os próprios policiais federais passaram a detonar a operação. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luis Boudens, criticou o delegado Moscardi Grillo, dizendo que ele não tem condições de coordenar uma operação como essa, pois está na PF só há 11 anos e é “inexperiente para tratar de assuntos delicados como esse, com tamanho abalo econômico”. Já o presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF (ADPF), Carlos Eduardo Sobral, disse que a PF cometeu “um erro de comunicação” na operação. A ação teve 1.100 policiais e prendeu 33 pessoas. “O delegado não poderia ter dito que havia um problema sistêmico, generalizado no setor”. Ele pergunta: “Havia corrupção de fiscais? Havia. Pode ter problemas em alguns frigoríficos? Pode. Mas nunca poderia ter dito que era generalizado”.
Os próprios policiais federais passaram a detonar a operação. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luis Boudens, criticou o delegado Moscardi Grillo, dizendo que ele não tem condições de coordenar uma operação como essa, pois está na PF só há 11 anos e é “inexperiente para tratar de assuntos delicados como esse, com tamanho abalo econômico”. Já o presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF (ADPF), Carlos Eduardo Sobral, disse que a PF cometeu “um erro de comunicação” na operação. A ação teve 1.100 policiais e prendeu 33 pessoas. “O delegado não poderia ter dito que havia um problema sistêmico, generalizado no setor”. Ele pergunta: “Havia corrupção de fiscais? Havia. Pode ter problemas em alguns frigoríficos? Pode. Mas nunca poderia ter dito que era generalizado”.
A crítica mais contundente partiu da Associação Nacional dos Peritos
Criminais Federais (APCF). A entidade lamentou “profundamente” que a
participação dos especialistas da corporação em análise de fraudes alimentares
“não tenha sido devidamente empregada durante a condução das investigações”. Os
policiais fizeram uma abordagem “apenas circunstancial”. Para a associação, a
“operação Carne Fraca” tornou-se uma clara demonstração de como o conhecimento
técnico e o saber científico, em todas as etapas da investigação, não podem ser
deixados de lado em favorecimento dos aspectos subjetivos da investigação
criminal. “A atuação adequada dos Peritos Criminais Federais teria propiciado a
correta interpretação dos dados técnicos em apuração, assim como a definição
dos procedimentos técnico-científicos necessários para a materialização de
crimes de fraude alimentar eventualmente cometidos pelas indústrias sob
suspeição. Além disso, teria poupado o país de tão graves prejuízos comerciais
e econômicos”. A APCF “tem o dever de esclarecer que as afirmações relativas ao
dano agudo à saúde pública, divulgadas por ocasião da deflagração da “Operação
Carne Fraca”, não se encontram lastreadas pelo trabalho científico dos Peritos
Criminais da Polícia Federal”. Foi por isso, certamente, que a PF disse que
havia papelão dentro de lingüiça. Se tivesse tido perícia, isso poderia ter
sido comprovado. Os técnicos da PF saberiam também diferenciar carne podre de
carne boa. E, certamente, teriam informação de que vitamina C não é ácido
cancerígeno. Teriam evitado as trapalhadas que arrastaram para o lixo o nome de
um setor que representa R$ 400 bilhões por ano, ou quase 40% do PIB do
agronegócio.
CARNE
AO MAR Os exportadores de carne contabilizam prejuízo de US$ 1 bilhão
As irregularidades na fiscalização de frigoríficos não são de hoje, e,
se a PF identificou funcionários corruptos, eles devem mesmo ser presos e
condenados. Mas faltou dar a dimensão real do caso. A PF, por exemplo, prendeu
33 pessoas, num universo de 11.300 funcionários. Insignificante. Que há
frigoríficos irregulares, que cometem fraudes, também não é novidade. Mas a PF
levou dois anos investigando e só identificou 21 unidades fabricantes de carnes
irregulares, das quais apenas três foram interditadas. O País conta com 4.837
unidades produtoras.
Segundo estimativa do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, o prejuízo
para o setor já alcançou US$ 1 bilhão. O governo agiu rápido para evitar o
pior. No domingo 19, o presidente Michel Temer convocou todos os embaixadores
dos mercados consumidores da carne brasileira, explicou que a qualidade de
nossa carne continuava impecável e que os problemas de fiscalização eram
pontuais. Após a reunião, levou-os para almoçar numa churrascaria em Brasília.
“Os números da operação, com 21 estabelecimentos investigados e só três
interditados, mostram a insignificância da operação”, disse Temer, para quem “o
alarde feito em torno do assunto não pode ficar impune”, pois causou “grande
embaraço econômico ao Brasil”. Segundo Temer, a investigação não alcança a
“totalidade dos frigoríficos brasileiros”. “Se há irregularidades, elas
precisam ser investigadas e os envolvidos punidos”. Mas não com ações dessa
forma grotesca.
Conhecido agropecuarista no Mato Grosso, o ministro Maggi deixou a
licença médica e voltou ao batente tão logo foi deflagrada a crise: “É
lamentável o que aconteceu”. Ele pretende visitar dentro de três semanas todos
os 21 frigoríficos investigados e ver as providências que estão sendo tomadas
em cada unidade para o saneamento dos problemas identificados. “A PF tem que
ser nossa parceira. Não quero conflito com ninguém, mas espero que a partir de
agora os policiais possam ter o assessoramento técnico necessário”. A PF tem
cumprido – e bem – seu propósito de elucidar diversos casos de corrupção e
desvio de recursos públicos, o que, indubitavelmente, é bom para o País. Há, no
entanto, sinais perigosos de que a corporação deixa-se levar, em algumas
ocasiões, pelo arbítrio.
A DESASTROSA OPERAÇÃO QUE DUROU DOIS ANOS
• A PF inspecionou 21 unidades produtores de carne, quando o país tem
4.837 estabelecimentos do gênero. Isso representou 0,5% do total
• Dessas 21 unidades fiscalizadas, apenas 3 foram interditadas, o que
representou apenas 0,062% do total
• A ação colocou em risco um mercado que emprega 7 milhões de pessoas e
exporta anualmente mais de US$ 12,3 bilhões
(ou R$ 38,1 bilhões)
(ou R$ 38,1 bilhões)
• A PF denunciou um total de 0,03% do total de fiscais que agiam
ilegalmente no Ministério da Agricultura e em frigoríficos espalhados pelo País
Fogo amigo
A ex-ministra da Agricultura e senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) confessou
que loteou, entre os aliados, os cargos de superintendentes no Ministério nos
Estados. Para o PMDB de Osmar Serraglio, deu a superintendência do Paraná. Para
o PTB de Jovair Arantes, garantiu a superintendência de Goiás. Os
superintendentes do PR e de GO foram presos na Operação “Carne Fraca”
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